Duas destas famílias em especial terão de conviver com uma dor ainda mais aguda e dilacerante – se é que isto se pode mensurar. A saber, os familiares dos estudantes João Vitor Gomes e João Pedro Calembo, ambos de 13 anos, mortos durante o atentado. Uma terceira família – a dos pais do próprio atirador, que também é aluno da instituição e tem apenas 14 anos, também sofre as consequências do fatídico acontecimento.

Além de João Vitor e João Pedro, outros quatro adolescentes também foram atingidos pelos disparos. Eles estão internados no Hospital de Urgências de Goiânia (HUGO) e Hospital dos Acidentados. A tragédia só não foi maior porque após utilizar toda a munição do primeiro carregador, o atirador foi contido pela coordenadora do colégio no momento em que começaria a descarregar um segundo pente. Tudo aconteceu por volta das 11h40, quando haveria a troca de professores para o início do sexto horário, na turma do oitavo ano.
O estarrecedor é pensar no que motivou todo o atentado. Segundo depoimentos de testemunhas, o crime foi motivado pela prática do bullying. O atirador era alvo de constante chacota pelos colegas, que o apelidaram de fedorento, devido ao fato dele não usar desodorante. Testemunhas relataram que diante disso, ele ameaçava os colegas e dizia que mataria os familiares deles. Uma resposta completamente desproporcional para uma atitude que fere a alma e o coração de milhões de pessoas ao redor do mundo.
De acordo com o delegado responsável pela investigação do caso, Luiz Gonzaga Júnior, o adolescente se inspirou em outros dois casos de grande repercussão: o Massacre de Columbine (1999), nos Estados Unidos, que deixou 15 mortos e o Massacre de Realengo (2011), no Rio de Janeiro, cujo saldo foi de 13 mortos.

Lamentavelmente, não se pode voltar atrás. Entretanto, mesmo em meio a tanta comoção e indignação, precisamos levantar algumas discussões e tentar tirar algum aprendizado deste duro e violento golpe que sofremos enquanto sociedade.
ENFRENTAMENTO AO BULLYING
O bullying é um assunto que não pode mais ser ignorado em nenhuma hipótese. Isto porque ainda na atualidade, este tipo de atitude é considerado normal entre uma parcela dos estudantes e é motivado por diversos fatores. Entre eles, está a aparência do rosto ou do corpo. Geralmente, os alvos deste tipo de violência são adolescentes retraídos, com baixa autoestima e que possuem particularidades físicas.
Um levantamento feito pelo IBGE em 2015 apontou que aproximadamente 195 mil alunos do nono ano, o que corresponde a 7,4% dos estudantes pesquisados sofreram bullying pelos colegas de escola, na maior parte do tempo ou sempre, nos 30 dias anteriores à pesquisa. A prática é manifestada através de zombaria, intimidação e uma série de agressões verbais, podendo chegar ao ponto de se converter em agressões físicas.
Em contrapartida, cerca de 520,9 mil alunos, ou 19,8% dos entrevistados assumiram já ter praticado bullying. Trata-se de relações de poder no ambiente escolar ou até mesmo, de trabalho. O agressor em tese deseja obter maior popularidade, exaltar sua imagem e se utiliza do artifício de humilhar, depreciar e agredir sempre o mesmo colega com apelidos pejorativos, brincadeiras chulas, entre outras ações, de forma constante e repetitiva.
Outra modalidade bastante semelhante é a do cyberbullying. Possui características muito próximas às do bullying – a diferença está no ambiente onde é praticada. O cyberbullying se manifesta virtualmente, por meio de aplicativos de mensagens, redes sociais, blogs e outros.
Neste caso, porém, é importante ressaltar que em algumas situações, a identificação do agressor é mais difícil. O complicador maior é o próprio ambiente virtual, que possibilita ao praticante desta violência, ocultar sua identidade ou apresentar outra – o caso dos chamados fakes.

Entender como o bullying acontece é uma forma de prevenir a reincidência de casos como este no futuro. A reação foi desproporcional – é bem verdade e não há nenhum interesse em defender ou relativizar a atitude do garoto que atirou nos colegas. Por outro lado, é preciso discutir o tema com a cautela que ele merece.
A depressão atualmente é a segunda principal causa de morte por suicídio entre jovens de 15 a 29 anos, conforme estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). E o bullying tem sido uma das molas propulsoras para o aumento deste índice.
Em 2015, começou a vigorar a Lei Nº 13.185, que institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying). O texto trata também do cyberbullying e dispõe, entre outros pontos a respeito dos deveres dos estabelecimentos de ensino, clubes e agremiações recreativas de assegurar medidas de conscientização, prevenção e diagnóstico do problema.
A lei diz ainda que a punição aos agressores deve ser evitada ao máximo. E ressalta que devem ser privilegiados mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil, além de dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores.
O bullying mata. Mata a autoestima, os sonhos, o convívio harmônico e, em casos mais extremos, mata tanto quem é vítima quanto quem é adepto da prática.
Como pais, profissionais da educação, comunicadores e demais setores da sociedade, precisamos estar unidos no intuito de promover tal conscientização e a busca contínua pelo respeito em todas as esferas sociais – a começar pelo lar, no aconselhamento familiar entre pais e filhos e em seguida, pelo ambiente escolar – local responsável por preparar nossas crianças e adolescentes não só para o mercado de trabalho, mas para toda a vida.
PORTE DE ARMAS

Neste cenário de tristeza e consternação, um assunto espinhoso veio à tona: a defesa do porte de armas e revogação do estatuto do desarmamento, tão desejada por uma grande parcela da sociedade.
Uma consulta pública foi disponibilizada pelo Senado na internet para saber a opinião da população sobre a medida. Ela questiona o que a população pensa a respeito da proposição de autoria do senador Wilder Morais (PP-GO) de convocar um plebiscito sobre a revogação do estatuto, para substituição por uma nova lei que assegure o porte de armas de fogo a quaisquer cidadãos. Até o fechamento desta reportagem, 248.146 pessoas haviam votado a favor do plebiscito e 11.330 contra.
Aparentemente, a maioria é favorável. Pelo menos, a maior parte do público que participou da votação. Afinal, o Brasil possui população superior a 207 milhões de habitantes, conforme dados divulgados em agosto deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pauta divide opiniões. Muitos se mostram contrários à revogação e outros, absolutamente favoráveis. Os argumentos são diversos. Confira a seguir, alguns deles na tabela:
A FAVOR | CONTRA |
Devemos ter direito de defender nossa vida, a de nossa família e também nosso patrimônio; | Reagir a um assalto aumenta as chances de desfechos fatais; |
Com treinamento, evita-se acidentes dentro de casa; | Armas dentro de casa aumentam as chance de ferir um familiar por acidente ou conflito doméstico; |
A criminalidade aumentou pois o ladrão sabe que estamos desarmados; | A arma pode ser roubada e acabar na mãos do criminoso; |
Só “cidadãos de bem” (sic) possuem armas legalizadas. | Guerra de todos contra todos: busca de armas cada vez mais letais para se sentir mais protegido. |
Fonte: Academia de Tiro Centaurus, Clube Isa de Tiro e Clube Águia de Haia. | Fonte: Sérgio Adorno, do Núcleo de Estudos da Violência-USP e PM. |
Pesquisa apresentada pelo jornal Folha de S. Paulo. |
No ano de 2015, o Mapa da Violência revelou um dado importante: mais de 160 mil vidas foram poupadas entre 2004 e 2012, após aprovação do estatuto do desarmamento, em 2003. A pesquisa contraria algumas falas daqueles que desejam o armamento da população. Embora os números se mostrem altos, eles seriam ainda maiores se a medida não estivesse em vigor.
No caso do atirador do Colégio Goyases, a arma utilizada pertence à Polícia Militar do Estado de Goiás. Ele é filho de militares. A arma em questão é uma pistola.40, de posse da mãe do adolescente. Embora ela estivesse bem escondida e trancada – o que mostra uma atitude responsável da mãe, que é sargento e teve a preocupação de ocultar a arma – o garoto conseguiu encontrar a chave, pegá-la e levar ao colégio, onde cometeu o crime. Mesmo com toda a precaução, a tragédia acabou se concretizando.
Esta discussão não deve ter um consenso tão rápido. Ainda há muito chão a percorrer até uma resolução. No entanto, este é um debate que precisamos levantar para evitar que vidas continuem se perdendo por reações desmedidas de pessoas que possuem armas sob sua posse.
LEONARDO MARCATTI CALEMBO: UMA LIÇÃO DE PERDÃO
Os adolescentes João Vitor Gomes e João Pedro Calembo, mortos no ataque foram sepultados na manhã deste sábado (21), nos Cemitérios Jardim das Palmeiras e Parque Memorial de Goiânia, respectivamente, após serem velados durante toda a madrugada. A enorme comoção foi compartilhada por pais de alunos, colegas, imprensa e mesmo pessoas que nem conheciam as famílias, mas compareceram ao local em apoio.
Em entrevista concedida a veículos de comunicação ainda no cemitério, Leonardo Marcatti Calembo, pai de João Pedro deu uma importante lição de perdão.
“Eu espero que toda a sociedade e os outros pais o perdoem pelo fato acontecido. Não devemos julgá-lo agora. Nós temos que entender e perdoar. O valor humano hoje não tem sido colocado em primeiro lugar. Nós precisamos resgatar isso como sociedade. Eu falo como pai do João Pedro, que é um menino doce, amável e que perdeu sua vida”, disse, em tom de desabafo.

O depoimento de Leonardo vai exatamente na contramão de tudo o que tem sido ventilado em comentários de redes sociais e que só fomenta os discursos de ódio. É momento de deixar de lado os ‘achismos’ e o senso de justiçamento a qualquer preço e exercitar o aprendizado de lições de respeito como esta. A justiça – esta sim, capaz de apresentar uma conclusão plausível, dará sua resposta da forma mais sensata e dentro da legalidade.
O atirador segue apreendido em uma cela separada na Delegacia de Polícia de Apuração de Atos Infracionais (Depai). Na tarde deste sábado (21), após o adolescente prestar depoimento, o Ministério Público de Goiás (MP-GO) recomendou sua internação provisória por 45 dias, até o término do processo.
Em tempo: A Factual aproveita esta reportagem para deixar sua solidariedade a todas as famílias das vítimas. Em especial, às de João Vitor Gomes e João Pedro Calembo.
Nossos mais sinceros sentimentos a todos.
Recomende este conteúdo aos seus amigos nas redes sociais e acompanhe a Factual no Facebook, Twitter e Instagram.
Matéria pautada pela sensatez. Parabéns, precisamos de equilíbrio nessa hora!