Painéis de grafite colorem e trazem vida à paisagem urbana do Centro de Goiânia
Trabalhos fazem parte do chamado Manifesto Urbano, que pretende criar um circuito de arte pública na cidade. A FACTUAL conversou com a produtora de arte Larissa Pitman, idealizadora do projeto, que contou como foi o processo de criação dos murais
Quem passa pela Rua 3, no Centro de Goiânia, não pode deixar de observar duas intervenções artísticas que mudaram – para melhor – a paisagem da região nos últimos dias. São dois painéis de grafite, separados por alguns poucos metros, que revelam toda a riqueza da arte urbana da capital e atraem, de imediato, a atenção do público.
Os murais grafitados ocupam dois tradicionais prédios do Setor Central: Edifício Dona Chafia e Edifício Alencastro Veiga. Em um deles, uma figura ilustre, intrínseca à cultura goiana, ganha destaque em traços coloridos, criativos e cheios de personalidade. Estamos falando do célebre contador de causos Geraldo Policiano Nogueira, ou simplesmente Geraldinho, como é conhecido entre os goianos.
Cheio de sotaque e graça, o sertanejo fez história contando seus causos em meios de comunicação do estado, o que contribuiu para reforçar positivamente a vida caipira no imaginário popular, em histórias que arrancam boas gargalhadas. Nascido em 1913, Geraldinho morreu em dezembro de 1993, prestes a completar 80 anos, vítima de trombose intestinal. Sua memória, porém, permanece mais viva que nunca, representada em obras como o novo e imenso painel pintado pelo Bicicleta Sem Freio, formado pelos artistas visuais goianos, Douglas Pereira e Renato Reno.
Alguns passos à frente e a imagem que salta aos olhos é a de uma garota que carrega nas mãos um filtro de barro, adaptado como vaso de plantas. Dentro dele, uma árvore, um simbolismo de algo vivo, crescente, como o futuro pelo qual se anseia. Futuro este, gravado no vaso que a jovem traz consigo. Intitulada ‘Andança’, a obra é do artista goiano Wes Gama, referência na arte urbana nacional.
O mural tem 66 metros de altura e cerca de 780m² e levou 27 dias para ser concluído, dos quais 16 deles foram dedicados à pintura. Nos outros 11 dias, o projeto teve que ser paralisado, devido à chuvas e aos fortes ventos.
Para compreender o processo de concepção dos murais e como funciona o Manifesto Urbano, movimento artístico promovido pela produtora Valenta, que pretende criar um circuito de arte pública em Goiânia, a Factual conversou com Larissa Pitman, produtora de arte e idealizadora do projeto. Confira a entrevista a seguir:
Revista Factual: Como funciona o processo de construção de um mural como esse?
Larissa Pitman: A intervenção urbana realizada através do projeto Manifesto Urbano considerou ocupar o Centro da cidade, porque ali há uma memória coletiva sobre a nossa cultura, arquitetura e história. Além disso, o Centro de Goiânia é marcado pela diversidade de classe e tem um fluxo diário intenso. Tivemos autorização de alguns edifícios, porém, na fase de viabilidade técnica para instalação de maquinário, muitos não eram possíveis de realizar devido à infraestrutura dos prédios que são mais antigos.
Dessa forma, encontramos o Edifício Alencastro Veiga na Rua 3 e tivemos uma boa relação com o síndico e moradores que entenderam o conceito do projeto, em que a obra não é apenas para o prédio, mas uma doação para a cidade, um presente para o bairro. Além disso, temos previsão de outras intervenções no mesmo edifício para o ano de 2021. O edifício possui uma localização privilegiada e estratégica para execução do projeto devido à visibilidade em vários pontos do Centro.
Em termos técnicos é um desafio muito grande, porque estamos trabalhando em altura, dessa forma os artistas foram treinados e certificados para o projeto, fizeram o curso NR35 e NR18. Além disso, as condições climáticas, como chuva e ventos fortes, atrapalharam o nosso cronograma. Nossa expectativa era concluir o mural em 15 dias corridos. O que aconteceu foi que tivemos atraso por conta da chuva.
Revista Factual: O mural foi chamado de ‘Andança’. O que motivou a escolha desse nome?
Larissa Pitman: Segundo o artista Wes Gama, “o problema da sociedade global é que as pessoas não compreendem que somos parte da Terra, que somos um organismo vivo. A relação com a água, a terra, as plantas, a qualidade do ar, esse é o ponto principal. O que vemos é uma sociedade que enxerga essa extensão do nosso corpo, como recurso a ser explorado, a gente vê ai a mineração, o agronegócio e o desmatamento, as usinas e garimpos, as invasões nos territórios, os rios secando, o ar poluído, e o pior, as pessoas vivendo para alimentar um sistema baseado em lucros e desigualdades. Em minhas obras busco representar os povos e culturas que tem uma relação de equilíbrio com todo esse organismo Terra que somos, e são esses povos que resistem e ainda lutam para um modelo de sociedade sustentável e socialmente justo.” Andança faz alusão ao movimento migratório de luta e resistências dos povos tradicionais, camponeses sem terra, povos ribeirinhos, etc.
Revista Factual: Sobre o Manifesto Urbano, do qual o painel faz parte, do que se trata exatamente?
Larissa Pitman: Nesses 4 anos como Produtora de Arte Urbana, percebi que muitos artistas migram para o eixo Sudeste ou até para fora do país para tentar visibilidade e oportunidade de pintar em novos projetos. Acompanhando esse movimento, senti que precisávamos fomentar e criar projetos para que nossos artistas também tenham oportunidades e reconhecimento aqui em Goiânia.
O Manifesto Urbano é um projeto independente da Valenta com o objetivo de promover ocupações e intervenções urbanas que dialogam com as pautas sociais e políticas, a fim de promover debates e reflexões na sociedade goiana sobre diversos temas, através da arte urbana.
A primeira edição do Manifesto Urbano foi com o artista Wes Gama em defesa dos povos tradicionais e o meio ambiente. A princípio, seriam realizadas além da intervenção no prédio, outras duas obras de grande escala com outros artistas locais. No entanto, não houve patrocínio privado nem apoio do poder público, portanto readaptamos o projeto dentro das condições que a Produtora poderia investir e incentivar.
Foi a partir da situação sem apoio privado e público que decidimos que era necessário realizar um Manifesto em prol da arte urbana. E já estamos planejando novas intervenções para 2021, com outros artistas locais e nacionais.
Revista Factual: Conte sobre a participação da produtora Valenta no mural do Geraldinho, pintado pela equipe do Bicicleta Sem Freio.
Larissa Pitman: A Valenta pretende criar um circuito de arte pública em Goiânia. A proposta é trazer muitas novidades e inovações da arte urbana para Goiás com o projeto ‘Galeria de Arte Pública – Festival Latinoamericano de Arte Urbana’, aprovado na Lei Rouanet, que está em fase de captação de recursos. O projeto traz além de intervenções em prédios do centro, outras novidades que ainda serão reveladas posteriormente.
Durante a finalização do mural Andança, recebi uma ligação de uma agência da qual tinha um cliente interessado em patrocinar o nosso circuito de arte. Claro que nem preciso falar que deu muito certo.
Como eu já havia mapeado e tinha autorizações de alguns edifícios no centro, a proposta do patrocínio direto com a Cerveja Esmera de Goiás possibilitou a criação de mais dois murais de arte urbana no Circuito da Rua 3.
Revista Factual: Como foi a concepção deste segundo mural?
Larissa Pitman: Os murais patrocinados pela Cerveja Esmera de Goiás farão parte do Circuito de Arte da Rua 3, produzido pela Valenta. Nesse pequeno circuito as obras tem como objetivo ressaltar a cultura goiana, os elementos populares e costumes nativos. O primeiro mural construído pela dupla Bicicleta Sem Freio faz uma homenagem ao Geraldinho maior contador de causos do Brasil, que é goiano, e foi uma das personalidades que ficou marcada por gerações. O segundo mural patrocinado pela Esmera terá início na próxima semana e será com o artista Wes Gama.
Revista Factual: Qual a importância de murais como esses e qual a contribuição do grafite e da arte para a paisagem urbana de Goiânia?
Larissa Pitman: A arte urbana é um dos movimentos da arte contemporânea que mais teve ascensão global nos últimos anos. Esse formato vem conquistando olhares menos preconceituosos e mais curiosos, colocando em questão assuntos importantes para a vida conjunta tão característica das cidades.
Nesse sentido, e levando em conta a privação à espaços culturais, a presença de arte na vida urbana se provou ainda mais importante com essa experiência de quarentena, que obrigou diversos espaços e atividades culturais a se fecharem por tempo indeterminado.
Assim, a presença de arte gratuita e escancarada nos espaços públicos se comprova como experiência estética de presença essencial na conturbada vida urbana, sobretudo em um momento como o atual, onde o espaço público e amplo das ruas tem sido um dos poucos espaços possíveis de se poder – ou precisar – circular.
Sobre Wes Gama
O artista urbano nasceu em Uruaçu, no interior de Goiás. Autodidata, Wes Gama iniciou sua trajetória nas ruas com apenas 12 anos de idade, há 20 anos, com pichação e bombing. Ao longo do tempo, o artista desenvolveu sua própria estética e identidade e hoje apresenta obras figurativas com cores saturadas, traços bem definidos que envolvem a temática da cultura popular brasileira, o meio ambiente, o regionalismo e uma pitada de elementos caipiras e psicodélicos.
Referência na arte urbana nacional, tem no currículo participação em grandes eventos nacionais, como o Festival Arte Core – Mural “Sem Privilégios” – MAM – RJ (2019). Festival Além da Rua – Mural “Carroceiros” em Fortaleza e mural “Vira Lata Caramelo” em Pecém (CE) (2019). Dezembro, 2019. Festival Boreal – “A história do fogo” exposição coletiva – Ilhas Canárias, Espanha 2019. InArte Urbana – Residência Artística 2019 – Org. Pixo Associação Franco-brasileira de arte urbana, Natal (RN). Wes Gama também é destaque como ilustrador e já fez projetos para Greenpeace Brasil com a arte “Amazon Alarm” 2020, Rec Beat Festival – Recife (PE), 2020, também criou a identidade visual do projeto Prosa Sonora e da 17º Goiânia Mostra Curtas.
Sobre o Bicicleta Sem Freio
O Bicicleta Sem Freio é formado pelos artistas visuais goianos, Douglas Pereira e Renato Reno. A dupla, fundada no Brasil em 2005, foi inspirada no início principalmente por ilustrações de rock e pôsteres. Os artistas se tornaram internacionalmente famosos por suas ilustrações desenhadas à mão e por suas obras de arte públicas em grande escala em todo o mundo. Seus trabalhos podem ser vistos em grandes cidades como Londres, Berlim, Hong Kong, Miami, Las Vegas, Montreal ou Los Angeles, Portugal e Jerusalém, entre outras.
Saiba mais sobre o Manifesto Urbano
Produção e idealização: Larissa Pitman
Artista: Wes Gama
Assistente de pintura: Matheus Alves (Korró)
Fotografia: Camila Adorno, Rubens Filho e Celio de Lima
Edição e direção de arte: Azu Ras
Edição 2: Luiz Rebonatto
Intérprete de libras: Vinicius Haastari
Trilha sonora: Dj Zilladxg
Engenheiro: Fernando Cunha
Pedreiros: Silvio e Maicon
Mídias digitais: Neluma Magalhães
Onde conferir as obras de arte:
- Edifício Dona Chafia: Rua 3 Qd. 20 Lt. 45 Nº 916 – Centro – Goiânia/GO (Painel Geraldinho – Bicicleta Sem Freio)
- Edifício Alencastro Veiga: Rua 3, 860 – Centro – Goiânia/GO (Painel Andança – Wes Gama)
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