Opinião

Dia da Consciência Negra: o que faz com que esta data se mantenha importante e atual?

A data, estabelecida como uma ocasião para relembrar a morte de Zumbi dos Palmares, provoca discussões sobre tratamento para com os negros na sociedade

Anualmente, é comemorado em 20 de novembro, o Dia da Consciência Negra no Brasil. Para muitos, um simples feriado, um dia para ‘enforcar’, com o perdão da expressão, o expediente normal. Quando esse artigo de opinião foi escrito e publicado pela primeira vez, em 2017, a data, mesmo possuindo reconhecimento no calendário, não garantia nenhuma folga para estabelecimentos goianos, pois o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJ-GO) havia considerado inconstitucional a Lei Municipal que a instituía como feriado na época.

A situação mudou quando o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), sancionou, em 21 de dezembro de 2023, o dia 20 de novembro como feriado nacional para a celebração do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Dessa forma, a data passou a ser instituída em todo o país.

Entretanto, o que desejo abordar aqui não é isso. Minha questão está mais relacionada com o que fazemos neste dia. Temos o que comemorar? O que temos aprendido desde sua institucionalização? Esse texto que você está lendo foi redigido inicialmente há 7 anos e posso afirmar que tivemos avanços de lá para cá, enquanto sociedade, mas ainda há muito o que ser feito.

Vale lembrar que o Dia da Consciência Negra faz referência à morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo de Palmares e ícone da resistência contra a escravidão e o sistema colonial português. Ele foi assassinado em 20 de novembro de 1695, decapitado e teve sua cabeça exposta em praça pública em Olinda, no Recife.

Qual a importância de um Dia da Consciência Negra?

Ainda na atualidade, a população negra esbarra em recorrentes práticas de racismo e tratamentos indignos e desiguais, se comparada à população de cor branca. Um exemplo clássico é identificado no próprio mercado de trabalho.

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD) divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 17 de novembro de 2017, período em que esse artigo foi publicado, dos 13 milhões de desempregados no terceiro trimestre de 2017, 8,3 milhões – o equivalente a 63,7% eram pretos ou pardos.

E não é só isso. A pesquisa ainda apontou diferenças em termos de remuneração. Naquele cenário, o estudo mostrou que a média salarial de pretos e pardos era de R$ 1.531, em média, enquanto o rendimento médio dos brancos era de R$ 2.757. Tem algo muito errado nisso, não é mesmo?

Já em 2024, o boletim especial ‘Apesar dos avanços, desigualdade racial de rendimentos persiste’, publicado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), com base na PNAD Contínua, do IBGE, do segundo trimestre desse ano, reuniu dados importantes do mercado e sobre remuneração. Um deles é que o rendimento médio dos negros é 40% inferior ao dos não negros.

No que tange às diferenças salariais, o rendimento médio do trabalho segundo cor/raça no Brasil ocorre da seguinte forma: pretos recebem, em média, R$ 2.350. O valor é superior apenas aos dos indígenas, cujo rendimento médio é de R$ 2.214. A remuneração média dos pardos é de R$ 2.402. Também nesse quesito, amarelos (R$ 5.018) e brancos (R$ 4.009) detém vantagem.

O documento mostra, ainda, que pretos detém o maior percentual de taxa de desocupação (desemprego) segundo cor/raça no Brasil, com 8,5%. Na sequência, aparecem os indígenas (7,9%); e pardos (7,8%). Os amarelos somam 6,2% e os brancos, 5,5%.

A questão é que o racismo é estrutural no Brasil. A Organização das Nações Unidas (ONU) defende que, além de estrutural, ele é institucionalizado e “permeia todas as áreas da vida”. Não é muito difícil constatar isso. Está aí, visível para quem tiver interesse em fazer tal exercício. As periferias tem, entre seus habitantes majoritariamente, pessoas de cor negra, muitas vezes privadas de políticas públicas mínimas de segurança, educação, saúde, trabalho, cultura e mobilidade urbana.

A Anistia Internacional Brasil lançou em 2014, a campanha ‘Jovem Negro Vivo’, motivada por um estudo que apresentou números assustadores. O Brasil registrou 56 mil assassinatos no ano de 2012. Para se ter uma base, 30 mil destes mortos eram jovens entre 15 a 29 anos e, deste total, 77% eram negros. A maior parte dos crimes foi praticada pelo uso de armas de fogo, e menos de 8% dos casos chegaram a ser julgados.

Em dados estatísticos mais recentes, o Atlas da Violência 2024, relatório sobre os dados da violência no Brasil produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apontou que, em 2022, a vitimização de pessoas negras – soma de pretos e pardos – em registros de homicídios correspondeu a 76,5% do total de homicídios registrados no país, totalizando 35.531 vítimas. A taxa equivale a 29,7 homicídios para cada 100 mil habitantes desse grupo populacional.

Em comparação com as pessoas não negras (brancas, indígenas e amarelas) a taxa de homicídios em 2022 era de 10,8, com 10.209 homicídios em números absolutos. Ou seja, proporcionalmente às respectivas populações, em média, para cada pessoa não negra assassinada no Brasil, 2,8 negros são mortos, conforme o levantamento.

Um dia como esse resolve tais problemas? Soluciona as questões? Óbvio que não! No entanto, ter o Dia da Consciência Negra de forma oficial é bastante simbólico para estimular o debate e promover diálogos sobre as demandas que precisamos enfrentar diariamente na luta antirracista.

Avanços

Mas, apesar destes pontos citados, nem tudo é pessimismo. As políticas públicas em favor da população negra também avançaram. Um exemplo é a criação das cotas raciais, ações afirmativas que visam incluir etnias menos favorecidas, como os negros e os indígenas em instituições públicas de ensino, concursos públicos, entre outros.

Só para se ter uma ideia, segundo o Censo da Educação Superior 2022, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o número de ingressos na educação superior federal por meio de ações afirmativas aumentou 167% em 10 anos, graças, principalmente, à Lei de Cotas, sancionada em 2012.

Ainda assim, estas políticas sofrem inúmeras críticas por ‘beneficiar’ os negros. Estas falas vem, por vezes, de brancos que se sentem prejudicados em seus privilégios. Não é difícil observar, porém, quanto tempo os avanços sociais para negros foram atrasados – sobretudo pela influência do autoritarismo dos brancos em séculos passados. Isto é história. Está aí. Basta ler!

Considerações

O intuito deste artigo, não é enaltecer a prática do ‘Nós x Eles’. Muito pelo contrário! É justificar a importância de uma data como esta.

Este texto intenta mostrar como ainda precisamos caminhar na direção de um tratamento equalitário. Isto mesmo! Equalizar para tornar as condições de vida iguais – e justas para todos. E que haja harmonia entre brancos e negros.

Isto implica que o negro deixe de andar sobre olhares de suspeição, simplesmente pelo fato de ser negro. Implica que o negro deixe de ser inferiorizado intelectualmente pela cor de sua pele, sem que se considere suas capacidades e habilidades. E por fim, implica que o negro não tenha que ser submetido a exposições vexatórias em virtude de sua cor ou até mesmo das crenças que possui – caso das religiões de matriz africana. O respeito deve pautar o convívio.

Minha total admiração aos negros deste Brasil imenso. Todas as honras a vocês, não somente neste 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, mas na vida.

“Numa sociedade racista, não basta não ser racista, é necessário ser antirracista” – Angela Davis, filósofa, escritora, professora e ativista estadunidense

* Artigo de opinião publicado originalmente em 20/11/2017 e editado em 2024, com a inclusão de dados atuais.

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Vinicius Martins

Jornalista por formação, com especialização em Marketing e Estratégia Digital. Fundador e editor-chefe da Revista Factual.

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